sábado, 19 de abril de 2008

45 dias preso no Estádio Nacional de Santiago

obs: um texto de Nilton Santos pode ser lido aqui no blog: http://sejarealistapecaoimpossivel.blogspot.com/2007/09/texto-1968-experincia-de-um-movimento.html


FONTE: http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI2749285-EI6578,00.html

Quinta, 17 de abril de 2008, 14h58
45 dias preso no Estádio Nacional de Santiago

Daniel Milazzo
Numa de suas noites de semi-clandestinidade em Santiago, em setembro de 1973, Nilton ouve o barulho alto de um helicóptero sobrevoando o bairro e se aproximando do prédio onde ele morava. Um amigo seu, que estava no apartamento naquele instante, sai à varanda para ver do que se tratava. Era um helicóptero do exército chileno. Santiago estava tensa. Salvador Allende havia sido derrubado do poder por forças de direita que temiam o amadurecimento do socialismo no País.
Na varanda, o amigo aponta o dedo para o helicóptero, como quem quer apenas chamar a atenção alheia para alguma coisa. Os vizinhos viram. Naquela noite, circulou a informação de que um helicóptero chileno havia sido abatido por militantes socialistas - de fato, apoiadores de Allende e do regime socialista atiravam nos helicópteros, conta Nilton.
Foi o suficiente para que na manhã seguinte a polícia chilena batesse à porta do apartamento de Nilton e o arrastassem dali para o Estádio Nacional de Santiago, onde mais outros 30 mil subversivos, suspeitos, perigosos, ou até turistas, foram amontoados.
Em sua cela havia 124 presos. Enquanto a maioria dos que estavam no Estádio Nacional eram cidadãos chilenos, na cela de Nilton a grande parte era de estrangeiros: brasileiros, argentinos, uruguaios, bolivianos, colombianos, um ou outro europeu também dançou.
Nilton é brasileiro. Atuava como jornalista na imprensa chilena. Escrevia alguma coisa para jornais estrangeiros, e algumas vezes arriscou alguns artigos no Brasil. Não chegou a utilizar-se de pseudônimos, mas vendia os textos a outro jornalista, que o assinava. Nilton não queria e tampouco podia - por sua própria segurança - aparecer muito. Tinha de ser discreto. Esquivar-se da fiscalização de autoridades brasileiras. Participara entre os anos de 1969 e 1971 do MEP (Movimento de Emancipação do Proletariado), no Rio de Janeiro. Exilou-se pois viu a ameaçadora aproximação de um horizonte negro para si no Brasil.
No Estádio Nacional, Nilton tinha status especial. Não por ser brasileiro, nem por ser jornalista. Mas por ter supostamente abatido um helicóptero. Esse era um ato grave, enquadrava-se entre os crimes de alto nível. Nilton era, portanto, perigoso. Mais do que os outros. Para as autoridades chilenas, ele tinha mais informações do que outros. Teria que ser preservado... e bem utilizado mais tarde, no momento adequado.
Em sua cela, não havia espaço para os 124 dormirem. Havia ducha quente, oito para os mais de cem. As refeições eram duas por dia: café e almoço. Menu? Chá e "pão-bundinha" em ambas. Em 45 dias ali, Nilton perdeu 45 quilos. Com ele, havia cerca de 30 brasileiros. Em grupos de quatro ou cinco, foram sendo chamados para "agilizar a liberação". Na verdade, seriam interrogados pelas autoridades chilenas... e brasileiras também, ali, em Santiago.
À medida que os grupos eram convocados a "conversar", o nível de tortura aumentava. Nilton, sob o status de "conselho de guerra", estaria escalado para o último grupo, o que mais renderia informações aos oficiais brasileiros, o que mais sofreria torturas, e por fim... "Eu seria fuzilado", conta ele.
O primeiro grupo já desconfiava de que havia oficiais do exército brasileiro na sala de interrogatório, pois havia sempre uma figura, um homem, ao fundo, que não falava nada, apenas escutava - e sorrateiramente transmitia bilhetinhos, com as perguntas certas a serem feitas às pessoas certas - mas que vez por outra assoviou acordes de música brasileira. A certeza de que se tratava de um brasileiro veio com o segundo grupo. Um dos prisioneiros identificou aquele como seu torturador.
De acordo com o relato dos que voltavam da sala de interrogatório, os chilenos só davam pancada. Não dominavam outros métodos mais eficazes de "persuasão", batiam mesmo quando a pessoa estava dizendo a verdade. É aí que entram os brasileiros, relata Nilton, instrutores da tortura mais fina, mais precisa, mais agressiva. "Os brasileiros ensinaram aos chilenos que o pior da tortura é não saber se ela vai acabar. É achar que você já está no inferno e vir coisa ainda pior".
Anteriormente torturado no Brasil, no Estádio Nacional Nilton escapou. Como? Inflamando o nacionalismo já exacerbado dos oficiais chilenos, provocando em questionar como estes deixavam que brasileiros viessem em seu próprio país ensinar-lhes como proceder com os próprios prisioneiros. Acabou próximo do sub-oficial, cujo nome esqueceu, e que não permitiu que Nilton e alguns outros fossem interrogados pelos brasileiros.
Oferecendo-se a ajudar na organização dos prisioneiros, grupos de detidos passaram a poder travar um contato mínimo, trocar informações cruciais, organizar-se de forma primitiva. Disto resultou a permissão de entrada da Cruz Vermelha no Estádio Nacional, o que culminou no exílio de alguns. Nilton foi deslocado para Paris. Segundo ele, não levou consigo o carimbo amargo da experiência no Estádio Nacional. Ainda hoje, prefere lembrar a nobreza humana de seus companheiros e a resistência de cada um em suportar situações como aquela.
Hoje, Nilton Bahlis dos Santos é doutor em Ciência da Informação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz. Aos 62 anos, tem uma filha de 8.
Terra Magazine

Um comentário:

Anônimo disse...

EM 1973 Meu irmão foi fuzilado covardemente pelo exército do PINOCHET.-Casado com Brasileira e residente aqui no Brasil desde 1968 numa viah]gem ao Chile nessa data foi acusado de extremista só porque praticava Karatê A nossa familia se dessintegrou literalmente todos exilados politicos Eu também sou casado com Brasileira desde 1969 mesmo assim ela foi ameaçada de ser pressa com meus filhos.- Passamos momentos incriveis de sofrimentos ameaças e de intranquilidade,- MEU ORGULHO DE SER BRASILEIRO POR OPÇÃO E MINHA FAMILIA TAMBÉM---- minha historia tem muitas coisas p/ contar desde aquele dia 11 de Setembro "DIA INFELIZ" para o pôvo Chileno