terça-feira, 1 de abril de 2008

DEPOIMENTO DE JACOB GORENDER

FONTE: MACHADO, Otávio Luiz & ZAIDAN, Michel. Movimento Estudantil Brasileiro e a Educação Superior. Recife: Editora Universitária UFPE, 2007.


O PCBR e os estudantes na resistência à ditadura militar
Jacob Gorender (São Paulo-SP)

Depois do golpe de 64, o Partido Comunista Brasileiro, o PCB, liderado por Luiz Carlos Prestes, ficou numa situação muito difícil. Houve uma grande dispersão, o que daí já permitiu que fossem germinando dissidências que iriam se concretizar nos anos seguintes. Mas isto não foi de imediato.
Eu continuei no PCB como membro do Comitê Central. E me recordo que estive presente na primeira reunião do Comitê Central realizada depois do golpe, em maio de 65. E depois houve outras reuniões às quais compareci. Mas até ser excluído do PCB, que se deu no congresso de 1967. Nele, eu, Carlos Marighella, Joaquim Câmara Ferreira, Mário Alves, Apolônio de Carvalho e outros fomos excluídos do PCB.
O PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário), que surgiu posteriormente, a partir do trabalho dos dissidentes do PCB, foi também fruto da falta de unidade da esquerda naquele momento, pois se saísse uma só organização teria mais força e seria mais numerosa. Mas saíram várias. E ainda havia outras organizações fora do PCB que também atraíram militantes, como a POLOP.
Um dos gravíssimos defeitos da esquerda depois do golpe – daqueles que divergiram no PCB – foi exatamente a fragmentação. Num glossário no meu livro Combate nas trevas listei umas vinte organizações.
E esse processo é claro que enfraqueceu tremendamente a esquerda mais ativa e mais revolucionária do período posterior ao golpe. E foi progredindo até o surgimento do PCBR.
Eu não posso dizer exatamente como esse processo progrediu. O fato é que depois da nossa expulsão do PCB, houve uma reunião em Niterói com os dissidentes. Eu não posso enumerar precisamente quantas pessoas estavam presentes, mas eram umas sessenta ou setenta. E durou um dia. Marighella não foi nem mandou representante, pois ele já tinha uma linha própria e não queria se misturar com ninguém. Marighella tinha idéias próprias e queria pô-las em prática. E assim não ia se subordinar a essa reunião.
Muitos dos participantes como Mário Alves, Apolônio de Carvalho e eu éramos mais experientes. Havia um rapaz bem moço de Minas Gerais depois morto pela ditadura. Seu nome era Élcio Pereira Fortes. Ele ficava no fundo da sala e interveio várias vezes. Era um rapaz muito jovem mesmo. As intervenções dele visavam repetidamente impulsionar a combatividade. Depois, nós da reunião nos dissolvemos. E a reunião de Niterói ficou nisso.
Mas nós tínhamos algumas conversas. Nós quem? Mário Alves, eu, o Apolônio de Carvalho e mais alguns companheiros. Eu estava em São Paulo e Mário Alves no Rio. E nós, então, chegamos a conclusão seguinte: já estávamos fora do PCB, mas também não queríamos acompanhar o Marighella, porque não queria saber de partido. Quer dizer, a nossa singularidade, digamos assim, é que nós queríamos que houvesse partido. Várias outras organizações também não tinham partido. E eram organizações que depois se fracionavam, como foi o caso do Colina (Comandos de Libertação Nacional), que atuava principalmente em Minas Gerais.
A nossa idéia era de luta armada para derrubar a ditadura, mas com ligação com as massas. Não queríamos o tipo de ação que estava sendo realizado pelo próprio Marighella e por outros, como os assaltos e atentados que não tinham nenhuma repercussão nos meios operários e populares. Bem ao contrário, dada a interpretação diária da imprensa, essas ações eram até mal vistas, porque o termo “terrorista” ficou generalizado. Nossas ações eram vistas como “coisa de terrorista”. Então, o resultado que se obtinha com isso era o contrário do que se pretendia.
A nossa idéia era uma organização de luta armada, sem dúvida, mas que procurasse ligação com as massas. Um partido que fizesse ações de massas.
E o PCBR surgiu numa outra reunião em Niterói, também. Escolhemos Niterói que era um lugar mais seguro que o Rio de Janeiro. E numa reunião, com mais ou menos umas vinte pessoas, surgiu o PCBR.
O PCBR tinha o Mário Alves como secretário-geral. Tínhamos uma pequena base aqui em São Paulo, que eu dirigia, além de algumas bases no Rio de Janeiro e no Recife.
Mas não durou muito a organização inicial em que pensávamos. Depois de tanta divisão, éramos mais uma organização. O PCBR entrou na mesma linha das outras organizações quando começaram os assaltos. Não em São Paulo, porque eu não admitia.
Em outros Estados, não me consta que o PCBR tenha se entranhado. Então, a idéia foi mudada. Eu era contra esses assaltos e não tomei parte em nenhum deles, porque considerava aquilo – como eu dizia na época – uma hemorragia da esquerda.
Os assaltos acabavam em tiroteios, prisões e torturas, no Doi-Codi. E ainda em assassinatos nas masmorras do regime. Além do mais, no final de contas, como ficou demonstrado, para se preparar um assalto, consumia-se mais dinheiro do que o que se obtinha com ele.
E o outro lado se preparou. Os bancos começaram a ter a segurança reforçada e ficou cada vez mais difícil empreender um assalto como aquele do trem pagador, que eram excepcionais.
Embora não fosse a nossa intenção, mas era o espírito da época e dos próprios militantes que se agruparam no PCBR, acabamos fazendo o que os outros faziam. Ocorreram assaltos do PCBR no Rio de Janeiro e no Recife em particular, com os mesmos resultados dos outros: tiroteios, prisões e torturas dos militantes.
Eu pessoalmente era contra os assaltos, como já relatei. E por esta razão eu não era bem visto nesses meios da esquerda armada, que sabiam da minha opinião. Eu não era bem considerado, o que ocasionou é que não fui incluído em nenhum grupo de resgate de presos com os seqüestros dos embaixadores. Eu fui vetado.
O setor estudantil esteve muito presente no PCBR. O setor estudantil era numeroso em todas as organizações. Ou em quase todas. O certo é que a grande massa de militantes da luta armada daquela época era da classe média. Não eram exclusivamente operários. Aí a razão do grande número de estudantes, que são jovens e ainda estão adquirindo cultura. E isso então explica a presença excepcional deles. Mas não só estudantes como também de profissionais liberais. A classe operária tinha presença pequena número de operários mais muito poucos. Os operários não estavam convencidos.
Aí tem que se levar em conta que os sindicatos estavam todos sob intervenção. Quer dizer, os sindicatos deixaram de ser um elo de transmissão de orientação entre os operários, porque a ditadura varreu os sindicatos. Todos os militantes de esquerda foram ou presos ou expulsos. E organizações como diretórios estudantis e outras estavam sob severo controle policial. Então tinham efeito anulado.
Quando mataram Marighella, a situação ficou mais difícil. Foi um golpe muito sério. A débâcle se deu em Janeiro de 1970. Aí o que é que aconteceu? Do lado do PCBR, Mário Alves foi preso depois de ser terrivelmente torturado na Polícia do Exército do Rio de Janeiro. Agüentou firme e não soltou a mínima informação para os torturadores. Os suplícios brutais o levaram à morte. Foi um herói. Eu fui preso no dia 20 de Janeiro aqui em São Paulo, porque tinha havido quedas aqui de companheiros do PCBR.
Como tinham sido presos e a tortura era terrível, um deles acabou “abrindo” o endereço da casa dele. Eu não sabia das prisões, pois as comunicações não eram fáceis. A gente não se falava por telefone e não tinha celular naquela época. Eu fui à casa de um companheiro que eu costumava encontrar para ter contatos. E quando chamei, a janela logo se abriu com os tiras, que me prenderam, me pegaram e me algemaram imediatamente.
Os policiais já sabiam que eu iria ali naquela casa mais dias menos dias. A tática da polícia naquela época era prender e ficar dentro da casa esperando que alguém chegasse. A casa ou era uma casa de família ou então era um aparelho que seria procurado mais dias menos dias por algum militante. E não foram poucos os que ‘caíram” assim. E eu fui algemado e levado para o DOPS onde imperava o famoso delegado Sérgio Fleury. Fui torturado e submetido às várias brutalidades que ali se praticavam com os prisioneiros. Não fui exceção e nem podia ser. Não entreguei ninguém. Tenho a consciência tranqüila com relação a isso.
E o movimento estudantil resistiu tanto quanto pôde. Por exemplo, havia diretórios acadêmicos da USP que eram ativos, apesar da repressão. Quer dizer, mesmo nas condições da ditadura, os diretórios super vigiados resistiram.

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