terça-feira, 15 de abril de 2008

A UNE no poder

FONTE: LISTA DE E-MAILS DE MOVIMENTOS ESTUDANTIS:

PUBLICADO INICIALMENTE EM: http://www.revistaforum.com.br/sitefinal/EdicaoNoticiaIntegra.asp?id_artigo=738

A UNE no poder
Por Pedro Venceslau [Segunda-Feira, 13 de Agosto de 2007 às 16:10hs]

Orlando Silva Jr. é ministro dos Esportes do governo Lula e chefe de Wadson Ribeiro, secretário executivo do ministério. Wadson e Orlando são muito amigos de Manuela D’ávila, deputada federal mais bem votada da história do Rio Grande do Sul. Manu, por sua vez, é colega de Aldo Rebelo, que foi presidente da Câmara dos Deputados e Ministro da Coordenação Política de Lula. Aldo, aliás, foi o primeiro nome cogitado por Lula para ser ministro dos Esportes. O cargo, como dito, acabou ficando com Orlando, que é casado com Ana Cristina Petta, a Tininha, idealizadora do Centro Universitário de Cultura e Arte (Cuca). Ana e a irmã, Renata, que foi presidente da UEE/SP, são irmãs de Gustavo Petta, que acaba de deixar a presidência da UNE. O cargo, agora, pertence à gaúcha Lúcia Stumpf, veterana de Manu nos primeiros anos de faculdade, em Porto Alegre. No movimento estudantil, Lúcia teve como líder Ricardo Capelli, atual secretário de esporte educacional do Ministério dos Esportes. Capelli, Wadson e Orlando são amigos de velha data de Lindberg Farias, que é prefeito de Nova Iguaçu e amigo de Luciana Santos, prefeita de Olinda. O que todos eles têm em comum? Em primeiro lugar, são (ou foram) em algum momento da história recente do Brasil, presidentes, diretores ou dirigentes da União Nacional dos Estudantes (UNE). Além disso, são – ou foram até recentemente – filiados ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB). No último dia 8 de julho, o 50º Congresso da União Nacional dos Estudantes, realizado em Brasília, confirmou o que todos já sabiam. A entidade será dirigida majoritariamente pelo PCdoB nos próximos dois anos. Desde 1980 tem sido assim. Em 1979, depois de cinco anos na ilegalidade, a UNE foi reconstruída em um congresso na Bahia. No ano seguinte, o estudante Aldo Rebelo foi eleito presidente. Foi o começo de uma era. Nos últimos 27 anos, a entidade só não foi dirigida pelo partido de João Amazonas por um curto período – entre 1987 e 1991. Entra geração, sai geração, mas a pergunta persiste: como um partido pequeno como o PCdoB consegue manter o comando de uma organização de massa como a UNE por tanto tempo?
Organização e centralismo democrático
Foi na sala de reunião do primeiro andar de um pequeno prédio na rua 13 de Maio, em São Paulo, que o nome da gaúcha Lúcia Stumpf foi escolhido para presidir a UNE no biênio 2007-2009. Neste endereço, ao lado da tradicional cantina Speranza, funciona a sede nacional da União da Juventude Socialista (UJS), corrente na qual se organizam os jovens do PCdoB. Participaram da reunião os principais dirigentes da organização. Ficaram de fora cerca de 100 mil ativistas que fazem parte dos quadros da UJS, segundo a entidade. Assim que a decisão foi tomada, o nome de Lúcia foi lançado aos quatro ventos para uma multidão, formada por dirigentes de centros acadêmicos, diretórios centrais, diretórios e UEEs em todos os estados do país. O bloco estava, enfim, na rua. Durante cerca de três meses, os militantes fizeram um esforço concentrado e muito bem coordenado para tirar o maior número de delegados possível para o 50º Congresso da UNE, em Brasília. No dia D, a UJS levou para a capital federal, sozinha, cerca de 60% dos delegados. Dos 4.302 eleitos pela base como representantes de seus cursos, 2.556 apareceram para votar. No final das contas, a chapa da UJS aliou-se a outras forças, como a esquerda do PT, PSB e PDT, e elegeu Lúcia Stumpf com 72% dos votos válidos. Um passeio. Dois dias depois do Congresso, o jornal O Estado de S.Paulo, como de praxe, dedicou um editorial para a UNE. O título era: “UNE em estado de alienação”. Um trecho do editorial: “No comando da UNE há uma geração, o PCdoB tornou a liderar a chapa vitoriosa na nova eleição da entidade. (...) A fronda oficial recebeu 72% dos votos válidos”. Gustavo Petta, ex-presidente, ainda não tinha lido o editorial quando recebeu Fórum na sede da entidade, na rua Vergueiro, em São Paulo. “Não me surpreende esse editorial. Eles têm uma postura conservadora e reacionária. Procuram criminalizar a ação dos movimentos sociais. A UNE sempre foi alvo. Seria estranho um editorial do Estadão elogiando a UNE. Ninguém ‘domina’ a UNE. O que nós temos, nos últimos anos, são militantes do PCdoB à frente da entidade. Por quê? Porque o partido tem uma política mais ampla, abrangente e que não exige dos estudantes atestado ideológico. Preservamos a pluralidade da UNE. Além disso, o PCdoB valoriza mais a juventude do que os outros partidos”, explica Petta, à espera de merecidas férias depois de quatro anos à frente da entidade. Petta conta que no próximo ano assumirá um posto de direção na UJS. Ele não confirma, mas é muito provável também que seja candidato a vereador em São Paulo, em 2008. Outro dirigente da UJS, este do diretório estadual, explica um pouco mais do funcionamento de formação de jovens lideranças do partido. “Os quadros nacionais de juventude participam de um curso nacional de formação por ano. São dirigentes das executivas de UEEs e DCEs. Depois, cada estado promove cursos estaduais. Normalmente, quando uma pessoa dessas sai da entidade geral, assume uma vaga de direção na UJS. Quando um militante chega à executiva nacional da entidade, em geral passa a assumir tarefas mais partidárias.” Foi assim com Lindberg Farias, o presidente da UNE no Fora Collor, Orlando Silva Junior, Wadson Ribeiro, Fernando Gusmão e Fernando Capelli. Todos deixaram a UNE e assumiram a presidência da Juventude do PCdoB. “Temos identidade de diálogo com a juventude e muitos fóruns de participação. O PCdoB é protagonista porque reconhece o potencial transformador do movimento estudantil”, pondera a nova presidenta Lúcia Stumpf. Ela rechaça as acusações que surgem de tempos em tempos de que a UJS tem a hegemonia porque usa a máquina das entidades que dirige para tirar delegados. “Só fala isso quem não conhece a UNE por dentro. Não existe aparelhamento nem influência partidária nos rumos da entidade. A UJS é forte porque tem quadros com boa formação teórica e política.” As outras forças Orlando Lindório, estudante do Mackenzie, em São Paulo, é filiado ao PSDB e dirige o principal movimento de juventude dos tucanos, o Movimento Independente da Comunidade Acadêmica (Mica). Orlando reclama que ainda existe muito preconceito no movimento contra seu partido e os demais que orbitam no campo mais à direita. Mas reconhece: “o PSDB é um partido com tradição de caciques regionais. Talvez por isso não dê atenção ao movimento estudantil, que é reduto da esquerda mais radical – PCdoB, PSoL e esquerda do PT. Mas quem comanda mesmo é o PCdoB”. Apesar de ser oposição à atual direção, ele não acha que haja aparelhamento das entidades. E não avalia que a hegemonia do PCdoB se deve só ao controle das carteiras estudantis. “A diferença em relação às outras forças de esquerda é que a UJS treina seus quadros desde o movimento secundarista. Além disso, eles mantêm uma política interna hermética e hierarquizada.” Antonio Davi, ex-diretor da UNE e militante do PSoL, possui outra tese para explicar a hegemonia do PCdoB. “Eles são mais organizados e liberam seus melhores quadros para percorrerem as universidades tirando delegados. Agora, existe um certo aparelhamento e eles dão pouca abertura para outras forças na entidade. No site da UNE, por exemplo, existe pouco espaço para a oposição. Mandei muitos textos que foram vetados”, sustenta. A dificuldade do PT, maior partido de esquerda da América Latina, em conquistar espaços na UNE é outro fator intrigante. “O PT é um partido de muitas tendências, enquanto o PCdoB é unificado e centralizado. No último Congresso, boa parte do PT aliou-se à UJS. O fato é que as entidades estudantis são escolas de formação política de quadros”, pontua Antonio Davi, do PSoL. “O PT se transformou em um partido institucional, de poder, que vive de olho nas eleições seguintes. Deixou de privilegiar as disputas do movimento social. O PCdoB, apesar de ser um partido satélite no governo Lula, em vários lugares tomou espaço do PT. Ele é internamente menos dividido e escolhe determinados segmentos sociais para investir em peso. O movimento estudantil é um destes segmentos”, explica o cientista político Francisco Fonseca, da FGV-SP. O professor também opina sobre a ausência da direita no movimento estudantil. “A direita do Brasil não tem expressão popular, como na França, com o Le Pen.” De fato. Independente do governo de turno, no movimento estudantil contemporâneo prevalece o espírito – e muitas vezes o discurso – da velha guarda do famoso ano que não terminou. F Raízes da hegemonia A UNE nasceu em 1937. Nos anos 60, passou a ser perseguida pela ditadura. Em 1964, o presidente da entidade, José Serra, teve de deixar o Brasil. Serra pertencia à Ação Popular (AP), a força política majoritária da época. A AP era uma tendência ligada ao braço progressista da Igreja Católica. O grupo foi descolando aos poucos da Igreja e se aproximando de outros movimentos políticos clandestinos. A maioria dos seus quadros – que eram os mais bem preparados da época – se aproximou do clandestino PCdoB, que tinha uma visão política de atuação junto às massas similar à da AP. Quando a entidade foi reconstruída, em um congresso na Bahia, em 1979, o PCdoB contava com os quadros e a experiência da AP. O movimento estudantil renascia das cinzas. Congresso após congresso, os comunistas foram aprimorando as lições que herdaram da AP: organização, formação política, disciplina e hierárquica tática e ideológica são alguns dos pilares do manual comunista no movimento estudantil.
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Pedro Venceslau

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